“Alguém vai acabar se machucando gravemente pela sobrecarga e falta de condições de trabalho”

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O SINTFUB esteve com os servidores da Faculdade de Medicina, na Coordenação da Área de Morfologia, responsáveis pela área de Anatomia. Os servidores denunciam que, embora atuem nos três pilares da Universidade, Ensino, Pesquisa e Extensão, estão “jogados às traças e diminuindo as atividades por falta de condições”.

Os dois servidores que estão lotados no setor lidam com as reservas dos laboratórios, fazem ordem de serviço, planejamento e ordenamento de aulas, acompanhamento de professores e estudantes em suas demandas, manutenção, limpeza, e todos os procedimentos necessários para que o acervo e as aulas de anatomia da Medicina e Ciências de Saúde (incluindo cursos como Nutrição, Farmácia, Odontologia e outros), aconteçam com excelência. No entanto, sofrem com um verdadeiro descaso da Universidade.

A equipe do SINTFUB esteve no primeiro andar da Faculdade de Medicina e presenciou a falta de condições de trabalho, de equipamentos e de segurança para execução das atividades cotidianas da equipe. No caso, os dois únicos servidores lotados no setor, Abimael Melo Nunes e Phellip de Carvalho.

Segundo os servidores existe um concurso válido até dezembro deste ano com aprovados aguardando serem chamados, mas a Universidade alega que as vagas já estão preenchidas. 

Situação extrema

O mínimo para o funcionamento do setor, de acordo com os servidores, seria de quatro funcionários. Mas há pelo menos 15 anos que o setor sofre com falta de pessoal. “Até uns meses atrás, estávamos em três pessoas e já era super pesado, mas a gente estava conseguindo levar. Cerca de um mês atrás uma servidora foi transferida e a Direção não se posicionou com relação a nada. Não conversou com a gente. E agora não temos como dar suporte à demanda do setor, estamos no nosso limite”, afirma Phellip.  

O primeiro andar da Faculdade de Medicina é uma área com laboratórios, sala onde os servidores trabalham na parte administrativa e o Museu. São laboratórios ativos, cinco deles muito ativos com aulas práticas para os cursos de Medicina e Ciências da Saúde. Além de outras disciplinas, “por exemplo, a Anatomia Artística do Departamento de Artes Visuais, tem disciplina parceira aqui, além de disciplinas como embriologia, histologia”, explica Phellip. 

“Atendemos grupos de alunos, e monitorias, são muitos grupos. Da medicina são mais de 60 alunos por grupo, da enfermagem também”. Para cada ocasião “a gente tira cadáver, monta a aula, desmonta a aula, limpa a bancada, faz tudo isso. E a gente não tem nem a luva de cano alto para fazer nada disso. É insalubre. Coisas simples como luva de cano, respirador semifacial,  a gente não tem”, denuncia.

A anatomia vai parar?

Segundo Phellip, “os cadáveres podem pesar mais de 150 kg e a gente tira na raça, às vezes precisa de ajuda de professor, pois não tem um elevador de suporte para levantar os cadáveres. As cubas são extremamente anti-ergonômicas, fundas. Vai chegar o momento em que algumas atividades simplesmente deixarão de ser realizadas, pois não há condições de serem realizadas”.

Os dois servidores são responsáveis por buscar e preparar o cadáver. “A gente não acha as peças, como o coração, pulmão, na prateleira do supermercado, não. A gente busca o cadáver, prepara, disseca, tem que desmembrar para disponibilizar para os professores e as disciplinas. Então o cadáver chega, ele vai ser fixado, vai ser preparado todinho, passa um bom período, a gente trabalha com químicos que, inclusive, ficam dentro do mesmo laboratório que a gente trabalha”, conta o servidor.

“Além disso, preparamos todas as atividades, e fazemos o trabalho administrativo. Tem os projetos de Extensão. A manutenção regular de todo o acervo, é preservação e manutenção. Só o ossário são cinco armários só de ossos, com mais de 1.500 ossos. São mais de 50 cadáveres infantis, e mais de 30 adultos. Além dos anatômicos de ensino. O cadáver, as peças, são pesadas para serem manipuladas. Tudo isso para duas pessoas e sem equipamento adequado. Se tem algum problema, nós fazemos a ordem de serviço; nós é que montamos as aulas, não são os professores. Nós é que planejamos, pegamos as peças. Tem professor que chega na hora com o cronograma do que precisa para a aula, então ficamos à disposição. E quando acaba organizamos tudo para a próxima aula.”

Os servidores estão no limite. “A situação atual é inviável. É um risco para nós, para os estudantes e professores, e para o acervo de décadas do funcionamento da anatomia da universidade”.

Protesto

Phelip conta que o descaso é uma realidade de anos e que em uma ocasião a direção deixou apenas um funcionário para todo o trabalho, ele cruzou os braços e a anatomia parou. Foi quando colocaram estagiários para trabalhar no local.

Em março de 2014, as aulas de anatomia foram suspensas e o Museu fechado devido à falta de servidor técnico-administrativo e estudantes realizaram protestos. Na ocasião, a banda Guns N’ Roses esteve na Faculdade de Medicina para uma visita ao Museu de Anatomia Humana, da Universidade de Brasília. Eles acabaram participando do protesto e tiraram uma foto com uma plaquinha apoiando a reivindicação dos técnicos. Em entrevista à Globo, a coordenadora do museu à época, Jussara Rocha Ferreira, disse que “a suspensão das aulas foi adotada porque não há funcionários suficientes para cuidar das peças. Ela afirma que há seis anos a instituição tenta aumentar o quadro” (G1, 25/3/2014). Phellip era aluno da enfermagem, participava do protesto e fez o registro.

O Museu, diga-se de passagem, está fechado. “Vai ter que vir outra banda aqui para denunciar essa situação?” questiona o servidor que passou no concurso de 2018 e está como efetivo no cargo desde 2021. “A gente sempre ficou quietinho trabalhando. Mas agora não vamos esperar outra banda aparecer para resolver nosso problema”, afirma.

O acervo corre risco também porque o material de armazenagem é velho. Registramos as caixas com corações e outras partes de corpos que são estão se partindo quando são movimentadas, pois são velhas. “Tudo isso já foi denunciado, mas a direção não dá bola”, afirma. 

“A gente faz coleta e registro de fetos, que precisam ser acondicionados, mas não tem lugar de acondicionamento. Na prática tudo está ameaçado de se perder”, diz Abimael.

Problemas de saúde

Entre outras coisas, a Norma Regulamentadora 17, estabelecida pelo Ministério do Trabalho, indica que 40kg é o peso máximo indicado pode remover individualmente, ela estabelece as diretrizes para as condições de trabalho, enfatizando a importância da ergonomia, segurança e saúde no ambiente laboral.

Na anatomia, para tirar um cadáver sem o guincho (não há guinco junto às cubas), são no mínimo três pessoas. Um cadáver de 120 quilos, e há membros que podem chegar a pesar 40 quilos. Os servidores têm que se virar para movimentar os corpos. “Dois levantam o corpo, e um terceiro coloca o calço, cada um de um lado fazendo manobra para ir levantando o cadáver. Já tivemos que chamar pessoas de fora, às vezes professor para ajudar na manobra. Isso é só no trabalho de preparação e manutenção”, conta Abimael.

“Essa luva aqui foi eu que comprei, e ela não é a mais adequada”, mostra Abimael a luva furada que durou uns seis meses. “A gente atende mais de 500 alunos, fora as monitorias. Agora só atendemos com monitoria. Os espaços eram acessíveis aos alunos para estudo, mas não temos mais como atender. Não atendemos mais demandas espontâneas pois não temos como”, atualiza.

As EPIS e ambientes de higienização não existem ou não funcionam. Esse é um dos problemas que se estabeleceram em vários setores de trabalho durante o último período.

“Esse é um chuveiro de emergência (Capela) tem um vazamento, e não funciona”, narra Phellip enquanto abre o registro e é possível ver a água escorrendo pelo corredor, onde já tem um rodo para garantir a limpeza. Na sala dos servidores a ventilação é inadequada, tem goteira, fissura na parede e no teto. Os jalecos são por conta própria. Abimael insiste que Phellip mostre os dedos, protegidos por atadura. “Não temos nenhuma segurança para o trabalho, assim como os estudantes e professores. Nós estamos adoecendo”, lamenta.

Resolução imediata

“Porque não nomeiam os servidores que estão aprovados para a vaga de necropsia?” incluindo a taxidermia, questionam os servidores. A situação é inadmissível e como aconteceu antes, a qualquer momento as atividades serão paralisadas por tempo indeterminado. Nem a remuneração está de acordo com o trabalho desempenhando. De acordo com os servidores a alegação da Administração é que não tem como medir a exposição aos químicos, e a insalubridade acaba sendo paga em valor inferior ao que teriam direito. 

“É um trabalho muito especializado, pesado, e o número de funcionários da universidade, incluindo do HUB, totaliza cinco. Isso é insuficiente. Não vamos continuar nessas condições”, afirmam os servidores, no que têm total apoio do Sindicato.

Enquanto esta denúncia era produzida pelo SINTFUB, Phellip e Abimael foram surpreendidos pela resposta ao Processo SEI que abriram para discutir “nomeação de um/uma técnico/técnica de anatomia e necropsia para atender as demandas descritas no presente processo”.

A decisão foi suspender algumas atividades, como as de monitoria, até que os problemas e a contratação de servidor seja garantida.

Assessoria Sintfub

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