Manifesto: O Serviço Público Não Tem Preço

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Fonasefe lançou ontem (12/05) o Manifesto “O Serviço Público Não Tem Preço” – que teve a adesão de diversos parlamentares, figuras públicas e entidades políticas:

Leia o texto do Manifesto lançado pelo Fonasefe na íntegra:

O Serviço Público Não Tem Preço

O Brasil precisa parar de ser vendido. O Brasil não é um produto de supermercado. Fomos loteados, fatiados, precificados e oferecidos a preço humilde ao capital nas últimas três décadas. Nossa Amazônia, nosso petróleo, nosso minério, nossos direitos e nossa democracia são mais do que pequenos números nos painéis coloridos das bolsas de valores do mundo todo.

As privatizações não foram boas para o país. Os problemas do Brasil não foram resolvidos com a venda das empresas estatais, as concessões públicas, as parcerias público-privadas, as terceirizações e outras formas privatistas. Não é mais uma hipótese, não é mais uma dúvida, é um dado da realidade. Basta fazer a pergunta: a dívida pública aumentou ou diminuiu em todos esses anos? A desigualdade social cresceu ou minguou? Os preços murcharam ou se elevaram com a abertura total ao mercado? Há mais ou menos empregos?

As reformas estruturais realizadas nos últimos anos não alavancaram a economia como havia sido prometido ao povo. A vida piorou porque direitos foram retirados. A Reforma Trabalhista não gerou empregos. A Reforma da Previdência jogou para longe nosso descanso após tantos anos de trabalho. Não houve redução de déficits fiscais, nem melhora de balanças comerciais.

A corrupção não diminuiu com a entrada da iniciativa privada na máquina pública. Muito pelo contrário, ela aumentou. A imensa maioria dos grandes empresários e banqueiros são os principais corruptores do Estado Brasileiro. Pagam propinas, vivem de lobbys, fraudam contratos, corrompem agentes, traficam influência e chantageiam o povo com a ameaça de desinvestimento caso sua agenda econômica não seja aprovada.

Em suma, nenhum problema econômico ou social foi resolvido com a entrega do patrimônio público brasileiro aos capitalistas. A bem da verdade, as questões se agravaram. O Brasil entrou novamente no mapa da fome, temos mais de 14 milhões de desempregados, a dívida pública explodiu e o PIB despencou. A desigualdade social permanece e se aprofunda.

Nenhum país no mundo resolveu seus problemas internos aplicando uma política de privatizações nas últimas duas décadas, como nossos governos alardeiam. Assistimos ao fenômeno contrário. A desprivatização de serviços e mesmo a sua reestatização é uma tendência global crescente. Segundo o Transnational Institute (TNI), de 2000 a 2017, o mundo presenciou 884 desprivatizações e reestatizações. [1]

Os quatro países que mais as realizaram são todos potências econômicas globais: Alemanha (348), França (152), Estados Unidos (67) e Reino Unido (65). Os setores desprivatizados nesses países englobam áreas estratégicas como energia, água e transportes. Em geral, os motivos para a retomada por parte do Estado são a piora na qualidade dos serviços, a elevação de tarifas e a preocupação exclusiva com os lucros dos empresários.

Entretanto, contrariando todos os indicadores que nos informam que vender o país não traz bons frutos aos seus cidadãos, o governo brasileiro de Jair Bolsonaro e a maioria dos parlamentares do Congresso Nacional trazem à baila a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 32/2020, batizada de Reforma Administrativa, com o intuito de destruir os pilares constitucionais do serviço público brasileiro, escancarando as portas para sua privatização total.

A Reforma Administrativa é um retrocesso nas conquistas que o Brasil consolidou na Carta Magna de 1988. Ela é, antes de tudo, uma reforma de princípios. O princípio constitucional essencial passará a ser a ancoragem na iniciativa privada, com a inserção da subsidiariedade como pedra fundamental do serviço público no Estado Brasileiro. É uma reforma que diminui a responsabilidade estatal em cuidar de seu povo.

A Reforma Administrativa ruma contra os direitos humanos, pois afeta diretamente a estrutura de funcionamento dos serviços públicos para pior. E quem depende desses serviços é a população marginalizada, os pobres, os grupos oprimidos, a maioria periférica que não tem sustentação econômica para se constituir como consumidora de serviços particulares, especialmente aqueles essenciais como a Saúde e a Educação.

A Reforma Administrativa é corruptiva, pois retira os cargos e órgãos públicos do seio da imparcialidade de concursos e da estabilidade funcional para jogá-los na lama do apadrinhamento e do nepotismo das indicações políticas.

A Reforma Administrativa é antidemocrática, resgatando os capítulos mais funestos do serviço público nos anos de chumbo da Ditadura Civil-Militar, com o fortalecimento da figura dos Decretos Autônomos emitidos pelo chefe do Poder Executivo, que poderá, com uma canetada, extinguir órgãos e cargos sem a necessidade de leis, o que abre as portas para que governos autoritários atuem para a eliminação, por exemplo, de fiscalização ambiental, trabalhista, tributária e demarcatória de terras indígenas.

A Reforma Administrativa cumpre um objetivo: atender os parasitas do mercado de capitais, que enxergam no Estado Brasileiro um balcão de negócios com áreas inexploradas, que miram a possibilidade de contratos sem licitações, serviços sem fiscalização e, acima de tudo, lucro desenfreado por meio da precarização do trabalho terceirizado, da desregulamentação de direitos e da informalidade.

O Brasil dos 99% depende dos serviços públicos e não pode ficar à mercê dos conglomerados econômicos. O Brasil é o Sistema Único de Saúde (SUS) e não os convênios médicos particulares. O Brasil é escola pública e não grupos educacionais que operam na Bolsa. Nosso norte deve ser o público, não o privado.

No contexto dramático de pandemia em que nos encontramos, é obrigação do Poder Público trabalhar pela ampliação do acesso da população aos serviços dos quais necessita, e não elitizá-los, como propõe a PEC 32/2020. Mais do que isso, é impensável aprovar um projeto dessa magnitude neste contexto pandêmico, tendo em vista a impossibilidade de qualquer discussão de fôlego que envolva com qualidade a opinião pública e o povo que não seja, exclusivamente, reduzir de maneira drástica as perdas humanas pelo COVID-19. Não é hora de discutir esse projeto, muito menos de aprová-lo.

Por isso, firmamos um compromisso de luta em defesa dos serviços públicos, contra a Reforma Administrativa, no sentido de multiplicar essa corrente por todos os meios, com destaque, neste momento, para os digitais, vislumbrando, num futuro próximo, que possamos tomar as ruas em defesa dos nossos direitos. Caminhando juntos e juntas, fazemos um chamado a que a população, os movimentos sociais, as entidades de classe, os representantes e figuras políticas, as personalidades e artistas, os influenciadores digitais e todos que possam contribuir nessa corrente se somem à única perspectiva que podemos adotar em relação a esse projeto caso desejemos construir uma sociedade mais democrática, igualitária e humana, que é a defesa, a universalização, a gratuidade e a qualidade do serviço público brasileiro. É sob essa perspectiva que levantamos a bandeira de que o serviço público brasileiro não tem preço.


[1] Os dados podem ser encontrados nos relatórios “Reconquistando os serviços públicos” e “Rastreador de municipalizações”

Download

Baixe aqui o Manifesto “O Serviço Público Não Tem Preço” em formato PDF (tamanho A4, seis páginas).

Mário Júnior

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